A Inteligência Artificial (IA) está no centro de uma profunda transformação global, especialmente no mercado de trabalho. Apesar das divergências sobre seus rumos, um consenso vem se formando entre empresas, investidores e analistas: a IA tem potencial para elevar significativamente a produtividade em diversos setores. No entanto, a grande questão é se tais avanços trarão benefícios amplos e sustentáveis para os trabalhadores e para a sociedade.
Estudos de caso e a rápida evolução das ferramentas baseadas em IA reforçam essa perspectiva otimista. A expansão das funcionalidades, a redução de custos operacionais e a disseminação de softwares de código aberto tornam a aplicação da IA viável em praticamente todas as áreas. Ainda assim, a adoção dessa tecnologia não será imediata nem garantida, dadas as barreiras relacionadas à capacitação, acesso e adaptação organizacional.
Mais importante: mesmo superados os obstáculos técnicos, os benefícios sociais e econômicos dependerão da forma como a IA será utilizada. Caso a ênfase permaneça em replicar capacidades humanas — promovendo a substituição de trabalhadores — os ganhos de produtividade poderão vir acompanhados de efeitos distributivos negativos, ampliando desigualdades já existentes.
Nesse contexto, pesquisadores como Andreas Haupt e Erik Brynjolfsson sugerem um novo paradigma de avaliação para os sistemas de IA: o modelo de “avaliações centauro”, no qual humanos e máquinas atuam em parceria. Essa abordagem prioriza o aumento da capacidade humana, em vez da simples substituição, e pode promover uma transição mais inclusiva.
O impacto da IA no mercado de trabalho também varia conforme o setor. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 20% da força de trabalho atua em áreas comercializáveis internacionalmente, como a indústria e serviços de alta tecnologia — setores com alta produtividade e renda crescente. Já os demais 80% concentram-se em atividades não-comercializáveis, como educação, governo, construção e varejo, onde os ganhos de produtividade são mais limitados.
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Sem uma estratégia deliberada de aplicação da IA em setores de baixa e média renda, o risco é aprofundar a disparidade entre áreas de alta e baixa produtividade. Isso torna urgente o direcionamento de políticas públicas e investimentos para fomentar o uso colaborativo da tecnologia em todas as camadas do mercado de trabalho.
Há iniciativas promissoras, como as competições promovidas pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA (DARPA), que incentivam a integração entre humanos e robôs. Também há exemplos de aplicações de IA voltadas ao avanço científico, como o sistema AlphaFold, da DeepMind, que acelera descobertas na área biomédica sem substituir profissionais.
Contudo, apenas a promoção de ferramentas colaborativas não é suficiente. É necessário preparar o mercado para lidar com os impactos de curto e médio prazo. Experiências anteriores, como a automação de tarefas rotineiras e a terceirização decorrente da globalização, já mostraram os custos sociais da transição tecnológica. A mudança de setor ou função profissional é sempre acompanhada de incertezas, atritos e, muitas vezes, perdas salariais.
A transição provocada pela IA poderá gerar ganhos de eficiência e redução de custos, mas também exigirá políticas ativas de proteção ao trabalhador. O risco de aumento temporário da oferta de mão de obra, frente a uma demanda em transformação, poderá reduzir o poder de barganha dos profissionais, acirrando as desigualdades.
Diante disso, será fundamental investir em requalificação profissional, suporte à renda e criação de demanda por trabalho humano. Um exemplo é o investimento em infraestrutura, que além de modernizar a economia, pode gerar empregos de qualidade e mitigar os impactos sociais da transição.
O avanço da IA representa uma oportunidade histórica de reinvenção produtiva. Mas seus benefícios só serão coletivos se o desenvolvimento tecnológico for acompanhado de políticas públicas voltadas à equidade e à valorização do trabalho humano.